Os Valores
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Valoramos as mais diferentes coisas. O nosso valor recai sobre todos os objectos possíveis: água, pão, vestuário, saúde, livros, homens, opiniões, actos. Tudo isso é objecto das nossas apreciações. E nelas encontramos já as duas direcções possíveis de todas as nossas valorações. Isto é: os nossos «juízos» de valor ora são positivos, ora negativos; umas coisas parecem-nos valiosas, outras desvaliosas.
Johannes Hessen, Filosofia dos Valores, Arménio Amado, p. 40.
O texto apresenta alguns exemplos de coisas às quais atribuímos valor. Com efeito, não podemos deixar de reconhecer que a nossa vida se apresenta repleta de objectos, pessoas e situações que nos afectam de diversas formas. A este propósito, é curioso considerar a maneira como utilizamos a palavra valor em diversas situações e com diferentes sentidos. Vejamos alguns exemplos:
• O valor de bens de subsistência ou materiais [água, pão, vestuário, livros];
• O valor sentimental que atribuímos a dado objecto (um anel de noivado);
• O valor que, em termos de beleza, atribuímos a uma pintura ou a uma paisagem;
• O valor das relações que mantemos com os outros [amizade, fraternidade, respeito];
• O valor de uma vida humana.
• O valor dos bens de subsistência é diferente do valor sentimental que confiro a um presente que me foi dado por alguém.
[Os valores] não se vêem com os olhos, como as cores, nem sequer se entendem, como os números e os conceitos. A beleza de uma estátua, a justiça de um acta, a graça de um perfil feminino não são coisas que se possa entender ou não entender. Apenas se pode «senti-las», e, melhor, estimá-las ou não as estimar.
Estimar é uma função psíquica real - como o ver, como o entender pela qual os valores se nos tornam presentes. E vice-versa, os valores existem apenas para sujeitos dotados da faculdade de estimar.
Ortega y Gasset, lntroducción a una Estimativa - Qué Son Los Valores?
• Entendemos por experiência valorativa o acto pelo qual atribuímos e nos apercebemos dos valores, isto é, o modo como os sentimos e captamos ao contactar com os diferentes objectos, situações ou pessoas, levando-nos a considerar tais objectos, situações ou pessoas de uma maneira diferente: com dado valor - bom ou mau, belo ou feio, justo ou injusto, etc.
• Como sugere o filósofo Ortega y Gasset, somos dotados de uma capacidade valorativa, de uma faculdade de estimar.
• É a partir desta capacidade que nos damos conta dos valores.
Valores - natureza e características
Parece claro que face à realidade circundante não ficamos indiferentes: vemo-nos afectados por ela. As coisas apresentam-se como boas ou más, belas ou feias, com qualidades ou características que as tornam preferíveis umas em relação às outras. Preferir significa, precisamente, eleger algo como melhor do que. As nossas preferências permitem-nos encontrar valor nas coisas. Neste sentido, os valores representam a não indiferença do homem perante os factos e objectos.
Os valores apresentam-se em pólos opostos [bom/mau, belo/feio, justo/injusto] e, por isso, dizemos que uma das suas características é a polaridade. Todo o valor enfrenta um contravalor, positivo ou negativo. Para além disso, é possível classificar os valores considerando a sua pluralidade ou diversidade.
A tábua de valores de Max Scheler
• Valores religiosos: santo/profano; divino/demoníaco; milagroso/mecânico;
supremo/derivado.
• Valores éticos ou morais: bom/mau; justo/injusto; misericordioso/desapiedado; leal/desleal.
• Valores estéticos: belo/feio; gracioso/tosco; elegante/deselegante;
harmonioso/desarmonioso; sublime/ridículo.
• Valores lógicos: verdade/falsidade; conhecimento/erro; exacto/aproximado; evidente/provável.
• Valores vitais: forte/fraco; enérgico/inerte; são/enfermo.
• Valores úteis: caro/barato; capaz/incapaz; abundante/escasso; adequado/inadequado; conveniente/inconveniente.
Para além da classificação dos valores, pode fazer-se uma interpretação dos mesmos a partir da sua organização hierárquica. Trata-se de reconhecer que há valores que têm mais valor do que outros, sendo necessariamente hierarquizáveis.
Se nós tivermos que optar entre salvar a vida de uma criança, que é uma pessoa, e, portanto, contém valores morais supremos, ou deixar que se queime um quadro, preferiremos que se queime o quadro. Haverá quem não tenha a intuição dos valores estéticos e então preferirá salvar um livro de uma biblioteca antes do que um quadro. Isto é o que quer dizer a hierarquia dos valores.
Manuel Garcia Morente, Fundamentos de Filosofia - Lições Preliminares
Diferentes critérios valorativos
• Cada sujeito constrói a sua escala de valores de acordo com as suas experiências de vida, mas essas mesmas experiências decorrem num espaço e tempo específicos, isto é, num contexto que, para além de pessoal, é também social e cultural. É nesse contexto prático da vida em sociedade, de cada vez que tem de escolher realizar esta ou aquela acção, tomar esta ou aquela decisão, que o homem concreto manifesta os seus valores.
• Vimos já que os valores se apresentam organizados de forma hierárquica. Há valores que assumimos como imprescindíveis e, portanto, tendemos a considerá-los mais importantes do que outros, daí ocuparem um lugar hierárquico privilegiado. Em que é que nos baseamos para construir essa hierarquia? Por que razão algumas pessoas consideram mais importante a verdade do que a utilidade, a beleza do que a riqueza? O que é que nos permite fazer estas distinções?
• As nossas valorações não são aleatórias, fazem-se mediante critérios.
• Entendemos por critério valorativo o princípio ou condição que serve de base à valoração e que permite distinguir as coisas valiosas das não valiosas e discernir, de entre as valiosas, as que são mais importantes das que são menos. Ao mesmo tempo, os critérios valorativos permitem reconhecer a razão ou motivo pelo qual atribuímos um dado valor a determinado objecto, situação ou pessoa e justificar a maneira como nos comportamos perante os mesmos.
Aquele que tiver uma errada concepção dos valores não conseguirá imprimir à vida o seu verdadeiro e justo sentido. (...) Pelo contrário, todo aquele que conhecer os verdadeiros valores e, acima de todos, os do bem, e que possuir uma clara consciência valorativa, não só realizará o sentido da vida em geral, como saberá ainda achar sempre a melhor decisão a tomar em todas as suas situações concretas. (...)
E não é só no interesse de nós próprios - diga -se por último - mas também no dos outros, que o conhecimento dos valores pode prestar relevantes serviços. Só conhecemos os homens quando conhecemos os critérios de valoração a que eles obedecem; é destes que dependem, em última análise, o seu carácter e o seu comportamento em face das situações da vida. Mas, precisamente, para podermos apreciar as valorações dos outros, é preciso possuirmos, antes de mais nada, um conhecimento profundo e largo dos nossos próprios .valores e da sua escala.
Johannes Hessen, Filosofia dos Valores
O que é que a dignidade humana implica? Em primeiro lugar, a inviolabilidade de cada pessoa, o reconhecimento de que não pode ser utilizada ou sacrificada pelos outros como um simples instrumento para a realização de fins gerais. Assim sendo, não há direitos «humanos» colectivos, pela mesma razão que não há seres «humanos» colectivos: a pessoa humana não pode existir fora da sociedade, mas não se esgota no serviço a ela. Daqui resulta a segunda característica da sua dignidade, o reconhecimento da autonomia de cada um para traçar os seus próprios planos de vida e as suas próprias normas de excelência, sem outros limites a não ser o direito semelhante dos outros à mesma autonomia. Em terceiro lugar, o reconhecimento de que cada um deve ser tratado socialmente de acordo com a sua conduta, mérito ou demérito pessoais, e não segundo os factores aleatórios que não são essenciais à sua humanidade: raça, etnia, sexo, classe social, etc. Em quarto e último lugar, a exigência de solidariedade com a infelicidade e sofrimento dos outros, o manter viva e activa a cumplicidade com os outros. A sociedade dos direitos humanos deve ser a instituição na qual ninguém fique abandonado.
Fernando Savater, As Perguntas da Vida - Uma Iniciação à Reflexão Filosófica
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